24.7.08

Sobre haicai - por Lorreine Beatrice Petters

Um pássaro brincando numa poça d'água. Um gato espreguiçando-se no telhado. Um raio de sol agraciando a flor na manhã. Instantes que passam despercebidos pelo dia-a-dia, mas que, quando observados, despertam em nós uma vontade de registrá-los de forma mais definitiva do que na frágil memória das retinas.
Uma das maneiras mais típicas de fotografar uma imagem, quando se pretende usar as palavras, é o haicai. De origem oriental, o haicai é muito mais que uma manifestação textual, é uma espécie de meditação que faz nossa atenção se voltar para a percepção do presente e nada além. Se na meditação tradicional, a atenção está focada na respiração, no haicai ela se volta (quase sempre) para a natureza. Um exercício que acaba por nos despertar para os pequenos encantos da vida e para momentos de rara e simples beleza, como neste exemplo de José Neres Reis:

Clara luz da lua
dança nas poças d'água
com o vento suave.

Enquanto a forma desses micropoemas é composta por 17 sílabas métricas, divididas em 3 versos (versos são as linhas do poema), o conteúdo está sempre relacionado a algo físico marcado pelo momento presente, transmitindo uma noção de efemeridade. O haicai, também chamado de haiku (em japonês), é despido de sentimentalismos e emoções. Traja unicamente a expressão sensória do momento, retratando uma experiência. Na tradição japonesa, os haicais devem expressar a transitoriedade da vida, expressão que é evidenciada através do uso de termos referentes às estações do ano, os chamados kigos.
Escrito por Isnelda Weise, o haicai a seguir revela elementos que nos transportam à primavera:

belas borboletas
de jardim em jardim pousam
sobre a flor: poema

A tradição de retratar as belezas das estações do ano a partir dos haicais iniciou-se com Matsuo Bashô (1644-1696), guerreiro samurai que abandonou tudo para cair na estrada e viver o presente (um verdadeiro presente a sua própria alma). Para Bashô, fazer haicais era quase como respirar, um estilo de vida baseado na forma inspiradora de contemplar a natureza.
No Brasil, o haicai também possui admiradores e criadores ávidos, com manifestações que vão desde as formas tradicionais às contemporâneas, que não seguem a métrica e ampliam as possibilidades temáticas, como neste exemplo de Millor Fernandes:

Na poça da rua
O vira-lata
Lambe a Lua.

O haicai é exatamente assim, retrata a exatidão do momento.

23.7.08

Três haicais para MEL, minha cachorrinha- Isnelda Weise

depois da estrada

Mel vira a lata da vida

proclamando um lar.



no meio da rua

Mel sem banho nem sustento

esgravata sonhos .



no assoalho claro

manchas depois da chegada

Mel germina vida.

14.7.08

Pôr-do-sol em Blumenau

Três haicais para uma paisagem- Isnelda Weise


pôr- do- sol acende
labaredas que acalentam
telhados da tarde.


quando o sol se põe
cinge as sombras da cidade
com rubro horizonte.



por um só momento
sobre a cidade em penumbra
arde o sol poente.


Três haicais para uma mulher (Mara, sobrinha)

Mara, marinheira

sem timoneiro, só mar

sempre à deriva .



do mar, Mara leva

sal sobre a pele morena

e a alma lavada.



envolta em silêncio

sob o azul do céu desliza

Mara sobre o mar.